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Asteya: O não furtar

ASTEYA: O Não Furtar

Maria Giovana Pegorer

Introdução

A presente pesquisa tem por objetivo uma melhor compreensão do yama asteya.

Nesse contexto, serão abordados aspectos referentes à conceituação e significado do termo, bem como a importância de sua prática nos dias de hoje - especialmente no que se refere à filosofia do Yoga.

O que é Asteya ?

Em linhas gerais, asteya significa não furtar ou não se apropriar do que não nos pertence. Em outras palavras, Vyása nos ensina: “Steya significa pegar ilegalmente coisas pertencentes a outrem. asteya é abstenção dessas tendências, mesmo que em pensamento”.

Roubar é pegar o que não foi dado, e compreende desde o roubo armado até tomar emprestado algo e não devolver. Eximir-se de pagar os impostos que deveríamos é uma outra forma de roubo, assim como pegar artigos de nosso local de trabalho para o nosso uso pessoal.

A origem do ato de furtar pode estar intimamente ligada ao apego, que é o principal impedimento para o desenvolvimento da determinação de ser livre, e que contraria outro yama: aparigraha.

Para a filosofia Budista, o apego aos objetos desejados é denominado de Upadana, e surge da sede de viver, sendo simbolizado por um homem colhendo frutos e acumulando num cesto.

Ao evitarmos o mau uso da propriedade alheia, ficaremos mais atentos às nossas atitudes e ações em relação às posses dos outros. Isto é muito útil e auxilia a evitar conflitos com aqueles que estão próximos de nós. Além disso, as pessoas confiarão em nós e desejarão nos emprestar coisas e também não terão medo de que seus artigos desapareçam quando não estiverem por perto. Dessa forma, estaremos nos relacionando com os outros de forma construtiva e ética, e aplicando asteya, ahimsá (ou não-violência – pois roubo é uma forma violência) e aparigraha (ou desapego – nesse caso, aos bens alheios).

Assim, asteya é um termo sânscrito que designa o terceiro preceito de abstinência de Patañjali, e pode ser compreendido de forma mais abrangente, incluindo o cultivo da integridade e a utilização somente do que é realmente necessário e indispensável.

A palavra integridade tem a mesma raiz de integral e integrativo. A partir do momento em que reconhecemos que somos parte de uma totalidade maior e que abrange todos os seres vivos, e que essa é a nossa verdadeira natureza, todos os nossos atos passam a se irradiar a partir dessa conscientização, cessando automaticamente a insatisfação, a vontade de querer sempre mais e os sentimentos de cobiça - oriundos do egoísmo e da ilusão de sermos uma unidade distinta e isolada dos demais seres do planeta.

A partir do reconhecimento desse estado de integridade, tomamos do universo, do planeta e dos demais seres vivos apenas aquilo que é necessário. Para se ter clareza a respeito do que é o “suficiente” e que realmente precisamos, devemos entrar em alinhamento com o valor da não-violência (ahimsá), em primeiro lugar, e com o valor da verdade (satya), em segundo.

Yoga e Asteya

Com relação à prática de Yoga, asteya significa desenvolver discernimento no uso de práticas para alcançarmos nossos objetivos, tanto os relativos, quanto o absoluto da liberdade. Como muito bem escreveram Joseph e Lilian Le Page: “Quando passamos a “colecionar práticas espirituais” como posses ou quando nos utilizamos de práticas que têm como objetivo a liberdade espiritual, mas equivocadamente as usamos para auto-promoção, fama ou fortuna, não estamos praticando asteya. A prática de Yoga não precisa ser acumulada, porque o estado de Yoga é nossa própria natureza”.

O yama asteya está intimamente ligado ao amor e à não-violência: de acordo com o sábio Professor Hermógenes, esse é um mandamento em proveito do amor, pois qualquer furto é himsá, uma vez que o ato de apropriar-se de coisas sem autorização do proprietário é uma violência contra a pessoa de quem essas coisas são roubadas. Roubar, ou apropriar-se indevidamente de bens alheios, é um ato egoísta que aflora quando cobiçamos algo que não nos pertence. Roubamos para suprir uma carência, seja física ou sutil, e, por ser o caminho incorreto, nunca chegamos a nos sentir preenchidos.

É preciso evitar igualmente roubar idéias, prestígio, conceitos, frases, histórias, experiências e outras qualidades subjetivas. Se não representa diretamente ódio, é falta de amor e de caridade.

Os lucros excessivos também são agressões, e constituem violência.

Segundo Pedro Kupfer, endividar-se também é faltar com essa norma – quem utiliza valores ou bens alheios para atingir seus próprios fins está roubando e enganando ao outro e a si mesmo, ainda que tenha a intenção de resgatar suas dívidas. Ele ainda escreve: “Paciência é uma virtude que deve ser cultivada, juntamente com o desapego, para que você não acabe se enganando a respeito de quem é realmente. Não é o que você tem, mas sim quem você é que faz a diferença”.

Devem ser evitados todos os tipos de comportamento que conduzam à degradação moral e espiritual. Ao treinar o caminho do desenvolvimento, escolhemos superar as aflições da condição humana para nos elevar à consciência e evolução.

A Humanidade viveria em paz se cada um evitasse se apropriar indevidamente de qualquer valor, tirando-o, desonesta e cruelmente, dos demais. Haveria para todos o bastante para viver. Em proveito do amor (ahimsá), devemos respeitar asteya.

A história do ladrão e do rei

Pedro Kupfer, em seu artigo intitulado “Vivendo a Ética do Yoga”, narra uma estória muito interessante envolvendo yamas, especialmente satya e asteya, a qual transcrevo a seguir:

Uma vez, um ladrão quis aprender Yoga. Foi visitar um mestre e disse-lhe que queria praticar, mas que era ladrão, bêbado e mentiroso. O mestre falou dos yamas e niyamas, e disse que, para começar, deveria escolher um yama ou um niyama e ater-se a ele. O ladrão pensou: "minha profissão é roubar. É o que sustenta a minha família, portanto, fora de questão seguir asteya. A bebida é a minha única fonte de prazer, e tampouco vou largá-la. Ou seja, que nem shauchan, nem tapas poderiam ser seguidos. Mas, deixar de mentir não vai me custar tanto. Vou seguir satya." E assim foi que ele decidiu falar somente a verdade.

Uma noite, o ladrão foi roubar o palácio real. Eis que o rei estava passeando pelo jardim após um dia entediante, buscando algo que lhe tirasse o vazio existencial. Os dois se encontraram e o rei pergunta: "Quem é você?". O ladrão disse a verdade: "Sou um ladrão e vim roubar o tesouro real".

O rei viu ali a possibilidade de viver a emoção e a aventura que estava procurando, e então falou: "Eu também sou um ladrão. E sei onde se guarda a chave da sala do tesouro. Façamos juntos o trabalho e dividamos o lucro". O ladrão concordou.

Os dois aventureiros entram no palácio, chegam na sala e dividem o tesouro. Porém, acham três enormes diamantes, que não podem ser divididos sem beneficiar um deles mais do que o outro. O ladrão, apelando para aquela generosidade que ocasionalmente conseguem ter os da sua profissão, diz: "fiquemos com um diamante cada, e deixemos o terceiro para o rei. Afinal, coitado, ele acabou de perder tudo." Ao separarem-se no jardim, o rei pergunta ao ladrão onde ele mora, e fala da possibilidade de contatá-lo novamente para futuros "trabalhos". O ladrão fala a verdade.

No dia seguinte, o rei vislumbra a possibilidade de testar seu primeiro ministro. Chama-o e diz: "Ontem à noite tive um sonho estranho. Sonhei que o tesouro fora roubado. Vá à sala conferir, pois um pressentimento está oprimindo meu coração”.

O ministro entra na sala, vê o diamante que sobrou e pensa: "O nosso rei perdeu absolutamente tudo. Este único diamante não fará nenhuma diferença". Esconde a pedra preciosa sob a túnica e volta à sala do trono, dizendo que, efetivamente, o tesouro inteiro foi roubado. O rei manda prender o ladrão. Ao ser interrogado na frente do ministro, conta o acontecido: desde o encontro com o "colega" de profissão até o detalhe do diamante que eles deixaram na sala.

Desta forma, o rei descobre que o seu ministro não é de confiança, pois mente e rouba. Manda prendê-lo imediatamente. E, em seu lugar, nomeia primeiro ministro seu novo amigo, o ladrão. Este, dada a sua nova ocupação, deixou de roubar e, como passou a ter outros prazeres, deixou igualmente de beber.

Essa interessante fábula nos mostra que, mesmo que escolhamos seguir apenas um dos yamas e niyamas, os outros acontecerão sozinhos. Podemos tomar essa escolha como um exercício temporário, por exemplo, durante algumas horas, dias ou semanas, e observar as nossas reações.

Uma Breve Reflexão sobre a Prática de Asteya (no Nosso Mundo Ocidental)

Para praticar essa atitude ética, tanto no nível material quanto nos mais sutis, devemos refletir sobre o que é real, simples e necessário. Como já foi observado, o preceito aparigraha (desapego) pode dar especial sustentação a asteya, por estar diretamente ligado ao não cobiçar, ou à não-possessividade.

Além de não roubar, asteya significa não cobiçar ou invejar bens ou conquistas de outrem. Não é apenas não roubar, mas eliminar totalmente o impulso de apoderar-se de objetos ou idéias alheios.

Esses dias, ao ler um artigo sobre a Índia (país que gostaria muito de visitar um dia), fiquei curiosa ao saber que lá, apesar de a maioria das pessoas serem consideradas materialmente desfavorecidas (a palavra “pobre” é tão feia, tão ofensiva...), os índices de furto são baixos, comparados a outros países “desenvolvidos”. Na matéria, era relatado que o indiano ou mesmo o turista poderia deixar os pertences, como chinelos e sapatos, em um lugar público, que a probabilidade de alguém os roubar seria muito pequena.

Fiquei refletindo e comparando o que li à situação aqui do nosso Brasil, onde, de acordo com dados bem recentes, os 10% mais ricos acumulam 75% de todas as riquezas do país. Brasil: terra calorosa de gente tão acolhedora, simpática e bonita; no entanto um lugar onde já se tornaram comuns notícias sobre pessoas que são mortas por causa de um par de tênis de marca...

Refleti sobre como aqui no ocidente, onde as sociedades de consumo são fortemente marcadas pelo egoísmo, narcisismo e individualismo, onde o ter é mais importante do que o ser, onde o sucesso é medido não pelos atos de bondade, caridade e generosidade que você fez durante a vida, mas pelo que acumulou de riquezas pra deixar aos familiares e pensei: aqui, de modo geral, é mais difícil a prática de asteya.

Infelizmente, os valores atuais de nosso modelo de sociedade são muito mais centrados nos bens materiais do que nos valores espirituais e morais, ao contrário de alguns países orientais, com a Índia, o que, de certa forma, dificulta um pouco mais a prática da não cobiça, da não possessividade e da não inveja pela população em geral. Questionei-me se esse elevado padrão material que atingimos a duras penas é sinal de progresso verdadeiro, mas isso já é outro assunto (...).

Considerações Finais

Pelo que foi exposto, verificamos que não é tão fácil quanto parece, especialmente nos níveis mais sutis, praticar asteya, posto que somos parte de uma sociedade marcada pelo consumismo desenfreado e acúmulo de riquezas, onde as pessoas se observam e se comparam constantemente uma com as outras, gerando permanente insatisfação e ambição, quando não o roubo, que nada mais é do que a materialização da cobiça.

Precisamos nos conscientizar de que o yoga também inclui a superação diária de nossas imperfeições e tendências destrutivas, para que da observação dos erros, do esforço constante em melhorar e se aperfeiçoar e das experiências, surja a luz da sabedoria e a verdadeira compreensão do viver em harmonia consigo mesmo, com os demais seres vivos e com o planeta.

Namastê.
Maria Giovana Pegorer é estudante do curso de aperfeiçoamento e formação em Yoga do Núcleo de Estudos Yoga Natarája / Casa do Yogin e engenheira civil.


 

Referências Bibliográficas

 

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CHODRON, Thubten. Coração Aberto, Mente Limpa – A Prática Budista na Vida Moderna. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2007. 270 p.

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KUPFER, Pedro. O Ladrão e o Rei. (Narração por Pedro Kupfer). Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008.

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SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento – O Caminho da Correta Compreensão. São Paulo: Editora Pensamento, 1999. 306 p.





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