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4 dias num retiro Zen Budista
                                             Nicole Rodrigues
 
 
Não foram 4 dias maravilhosos. Não foram. Foram dias áridos, secos e de muitos, mas muitos mesmo, diálogos internos. Eu comi o pão que Buda amassou.
 
No Zen Budismo não se faz meditação. Se faz "zazen". Zazen, literalmente, significa sentar Zen. O objetivo do zazen é apenas sentar, sentar completamente alerta, sem se apegar aos pensamentos. "Abra mão dos pensamentos", Monja Coen dizia. "Não converse".
 
Foram 10 meditações por dia de 30 e 40 minutos cada. Eu disse DEZ. Cerca de 6 horas de meditação por dia. Em vários momentos eu xinguei Buda. Sim, eu xinguei. Xinguei a mãe, a minha e a dos outros. E a de Buda também.
 
Conclusão a que cheguei no 1o dia: FU-DEU.
 
O 1o dia foi como um tratamento de choque, considerando que no dia anterior eu fiz práticas nada meditativas e um tanto libidinosas. Eu me senti como um drogado em processo de desintoxicação. E eu estava ali me desintoxicando dos meus pensamentos, da minha forma de pensar. Confesso que um dia antes de ir ao retiro eu pensei em desistir. "Sensei, então, não vai dar pra ir. Tenho muita coisa pra fazer aqui, sabe como é...". Vou, não vou, vou, não vou. Vou. Fui.
 
A nossa mente é uma coisa. Tão complexa, tão intrincada, que será eternamente um objeto de estudo da ciência. Somos seres condicionados. Desde sempre condicionados. Viciados em pensar. Viciados em pensamentos dicotômicos. Isso é feio, isso é bonito, ela é inteligente, ela é burra, ele é gordo, ele é magro, eu tô triste, eu tô alegre, minha vida é boa, minha vida é ruim, eu queria ser assim, mas eu não sou assim, eu queria que minha vida fosse assim, eu queria que minha vida fosse assado, a escola dela tem mais alunos que a minha, portanto a escola dela é melhor que a minha, ela sabe isso, ela sabe aquilo, eu não sei isso, eu não sei aquilo, eu sou virginiana, ela é sagitariana, virginiano é uma mala sem alça, sagitariano é tudo de bom, meu emprego tá ruim, meu emprego tá bom, hoje tá frio, hoje tá quente, meu zazen tá ruim, meu zazen tá bom, ela nao me ligou hoje, ela nao gosta mais de mim, tô com pouco dinheiro, tô com muito dinheiro, se eu tivesse feito isso eu teria mudado minha vida, seu tivesse falado aquilo naquela hora, se isso, se aquilo, se nao isso, se nao aquilo se se se se se sesesesesese blá blá blá aaaaaahhhhhhhhhh. É uma forma de pensar exaustiva. Somos grandes auto-sabotadores. Todos os 3 dias de retiro eu pensei: "Hoje eu vou embora. Vou dizer pra Sensei que minha mãe ligou ou dizer que aconteceu um imprevisto e terei que sair antes, isso, aconteceu um imprevisto é uma excelente frase, sem explicações, simplesmente um imprevisto, ok".
 
No 2o dia a rejeição foi tamanha que eu gripei. Gripe braba mesmo. Desintoxicando. Bom, tudo bem que nos dias anteriores eu dormi tarde, acordei cedo, trabalhei, transei, pensei loucamente em todas as coisas do meu  mundinho, gastei uma energia impressionante apenas pensando...E lá tudo veio à tona, sem falar que era muito exaustivo física e mentalmente. "Vou dizer pra Sensei que a gripe tá atrapalhando meu retiro e que vou embora depois do almoço, isso, vou fazer isso. Eu podia estar tomando um café na Livraria da Vila, não, eu podia estar lendo aquele livro que tá ótimo, isso vou embora hoje".
 
Um detalhe: o zazen é feito de frente pra parede com os olhos abertos. E não há objeto de concentração. Simplesmente sentar. Ser você. Estar conectado com tudo. Estar alerta. Não agarrar os pensamentos. Ser. Apenas Ser. Ah, Beleza! Só isso? Tá bom, vamos lá. Lá pelo quinto zazen do dia eu já chegava xingando a parede. Já sentava sabendo que vinha chumbo grosso nos próximos 30 minutos de zazen. Mas chumbo grosso mesmo. Chumbo grosso da minha mente. Eu fui minha carrasca mais sádica no retiro. Eu não me deixei em paz. Eu questionei tudo e todos. Eu joguei na minha cara tudo o que eu podia, culpei todos por várias coisas, tive sentimentos nada altruístas, pensamentos dos mais obscenos. Sexo, sexo, sexo. Usei das armadilhas mais criativas pra sabotar cada o zazen de cada dia. Eu sabotei todos os meus zazens até o 3o dia. "Bom, vou fazer o mantra om pra minha mente calar a boca, sempre funciona. Om om om ommmmmmmmm porra, esse sino não vai tocar, não? Encerra logo esse zazen, cacete". Om om om ommmmmm blá blá blá sexo sexo sexo sexo. TOCA ESSE SINO, PORRA!
 
Entre um zazen e outro tivemos práticas de Yoga. Ufa. A monja Coen me convidou para dar as práticas. Foi uma honra. Um convite irrecusável, participar do retiro da Sensei no seu templo no Pacaembu e dar as aulas de Yoga. Jamais eu recusaria. "Sensei, aconteceu realmente um imprevisto, vou ter que ir embora. É, pois é, uma pena, uma pena mesmo, mas terei que sair. Mas e o meu compromisso com a Sensei de dar as práticas de Yoga? E agora? Mas eu tô gripada, ninguém merece meditar 10 vezes por dia (é, DEZ) com essa gripe. Vou embora hoje".
 
Mais um zazen, ô parede filha da puta. Blá blá blá blá blááá. Sino, please. Sinooooo. Buda, seu cretino. Ardilosa, a mente tentava de tudo que era jeito se manter no comando como ela sempre fez, falando, falando, falando, falaaaando. Puta merda, tô com vontade de gritar, de chorar, quero mexer minha perna, ai minhas costas, maldita dor no meio das costas. Ainda faltam 2 dias dias. Caramba, 2 dias. O que significa mais 25 meditações contando com as que restam hoje. Sexo, sexo, sexo. Toca o sino, que inferno.
 
Imagine que no dia anterior você está assim: %$%%$$$@@#####*&¨%%%@@%&&*&****$$##**. E no dia seguinte tem que, obrigatoriamente, estar assim: ........................................... Imagine que no dia anterior a trilha sonora da sua vida é, sei lá, The Chemical Brothers no talo. No outro dia tem quer silêncio e nada mais do que o silêncio. A trilha sonora da minha mente me detonou.
 
Não era pra conversar com os outros participantes. Mas a mente sabotadora obviamente puxava conversinha. Johny, você vai ficar o retiro todo? Vou, Nic, vou ficar até 3a. E voce? Eu também. Huhauahauahaua.
 
3o dia:
 
Mais gripe. Mais piração, diálogos internos infernais, auto-sabotagem. Ensabota, mulata, ensabota, ensabota, tô ensabotaaaaando! Om om om om sino sino sino dor dor dor dor vou embora vou embora vou embora. Esse cara do meu lado nao se mexe, puta merda, eu hein, tá achando que é Buda. Bunda, bunda, bunda, peito, peito, peito. Parede, vai à merda. Om om om om om. Nariz escorrendo, espirros incessantes, olhos lacrimejando, parede, parede, parede. Eita, olha, um elefante na parede. Caramba, isso parece uma rã com olhos arregalados, isso eu não sei o que é, mas parece um alienígena, sei lá, hummm aqui é um cachorro com focinho grande, poutz isso eu não consigo identificar, bem que podia fazer um personagem de quadrinho com essa imagem, caramba, nunca vi essas imagens antes e a parede tá cheia delas, podiam ser personagens de desenhos! Blein, blein, blein! Ufa, almoço.
 
As refeições são um parágrafo à parte:
 
Cada um tinha seu "orioki", uma trouxinha onde se guardava os talheres e as tigelas. Era a arte de comer em zazen, em plena atenção, recitando os sutras. O zazen não termina quando o sino toca, ele continua nas refeições, no levantar, no dormir, nas tarefas do dia. Não existe entrar e sair do zazen. Por que a plena atenção só quando se está sentado de frente pra parede? Não. A plena atenção em tudo, durante todo o dia, evitando os diálogos internos tão exaustivos e sedutores. Comíamos cada coisa de uma vez. Se uma tigela está em sua mão, voce nao vai levar o hashi na outra tigela que está no chão. Põe uma tigela no chão, pega a outra, come, depois deixa essa no chão, pega a outra e come. E por aí vai. Muitos rituais, muitas cerimônias, muitas reverências. É tanta coisa que se eu explicar tudo vou ter que escrever muito mais.
 
Durante todo o retiro, além do zazen, tinha kinhin (zazen caminhando), samu (zazen trabalhando). Plena atenção em tudo. Nada de comer na frente do computador, nada de dirigir falando no celular, nada de ver TV e email ao mesmo tempo. Não. Uma coisa por vez. Eu estou varrendo o chao. Eu estou escovando os dentes. Eu estou comendo. Eu estou lavando a louça. Eu estou indo até o mercado e apenas isso, eu estou presente, eu estou presente, eu estou presente. Eu estou em zazen. Tudo à minha volta faz parte, o barulho dos carros, o canto dos pássaros, minha barriga roncando, o cachorro latindo, tudo faz parte, as coisas são como são, a vida é como é. Dá pra tocar o sino? Toca o sino, pelo amor de Buda.
 
4o dia
 
Algo aconteceu. Eu pensei tanto, mas tanto, que acho que esgotei todos, calma, quase todos, os pensamentos. 1o zazen do dia...aaahhhhh, que maravilha. Mente quieta, coluna ereta, o coração tranquilo. Oi, parede. Te amo! Buda, você é tudo. Aiai....silencio  ...........................................  nossa, mas seu nao pensar, eu vou fazer o que entao? Quase nao tô pensando...mas seu eu não pensar eu vou ser o que, eu vou fazer o que? "Abra mão dos pensamentos". Nenhum Om sequer. Nada...ai que gostoso    ........................................  é isso, é isso! Simplesmente Ser, estar, sem julgar, sem comparar, sem questionar, sem objeto de concentraçao, sem me sabotar, sem me culpar, sem achar que sou isso ou sou aquilo  ........................................ 2o zazen: aiai..... ........................................... 3o e ultimo zazen do retiro: .............................................. que maravilha, que retiro maravilhoso, por que a gente sofre tanto com os nossos pensamentos? Pra onde eles nos levam, o que conseguimos pensando tanto, pra que? Por que nos identificamos tanto com os nossos pensamentos? Por que nao conseguimos simplesmente Ser?  ....................................................................................................................
 
Fim do retiro
 
Chorei muito. Chorei de alívio por ter acabado, por eu ter sobrevivido, mas por eu ter conseguido por alguns instantes apaziguar a mente..ou será que foi ela por si só que se apaziguou? Chorei por eu ter conseguido abrir mão, por poucos momentos que fossem, dos meus pensamentos. Eu consegui não agarrar meus pensamentos. Obrigada, muito obrigada. Tudo é tão mais simples, a gente cria tantos monstros desnecessariamente. Ser, simplesmente Ser. Nossa. Obrigada.Obrigada. Obrigada.
 
Saí do retiro num estado tal que só quando cheguei em casa me dei conta de que meu amado all star branco, companheiro de todos os dias, não estava em meus pés. Humm, que havaiana bonita essa...peraí,  mas essa havaiana nem é minha! hahahahaha.
 
Agora é que vem o grande desafio. Cultivar o zazen sozinha, sem a Sangha, sem o grupo. Sentar. Ser. Simplesmente sentar e Ser. Um pouco todo dia, um sádhana, uma prática. Só sentar. De frente para a parede. Simples assim, difícil assim.
 
"Que os méritos de nossa prática se estendam a todos os seres e que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado".
 



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