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Por que é tão difícil meditar?

     

Por que é tão difícil meditar?

 Respostas nos Sūtras de Patañjali

A mente é comparável a um jardim.
Assim como você pode cultivar boas flores e frutos num jardim,
arando e adubando a terra, removendo as ervas daninhas e
espinheiros e regando as arvores e as plantas,
da mesma forma você pode cultivar a flor da devoção no jardim da sua mente
retirando as impurezas dela,
assim como a luxúria, o rancor, a cobiça, a ilusão, o orgulho etc.,
regando-as com pensamentos divinos.

(Swāmi Sivananda)

A mente atua por diferentes mecanismos e através do conhecimento deles é que podemos controlar as flutuações da mente e canalizar todo o foco mental para a meditação. Meditar é encontrar um estado interno de plena paz, onde todos os desejos e pensamentos mundanos são eliminados da mente. Meditar é manter um fluxo ininterrupto de atenção no foco de concentração. Seja qual for o foco de atenção mantenha-se atento no fluxo contínuo de atenção. Mantenha-se neste estado o máximo de tempo possível, livre de análises, argumentação, desejos e julgamentos. Durante a meditação há somente um vrtti na mente, que é o próprio foco da concentração. Dhyāna, ou meditação, é o sétimo passo do sistema óctuplo de Patañjali Māhārisi.

 Os dois primeiros passos do sistema óctuplo de Patañjali são basicamente códigos de condutas para o aperfeiçoamento do corpo, mente e elevação espiritual do ser humano. A purificação íntegra do Ser começa na aplicação, observância e vivência profunda dos yama e niyama. Mesmo após muitos anos de prática de Yoga, os yama e niyama não devem ser negligenciados e muito menos esquecidos. Patañjali intuiu essas normas éticas e dividiu em dois grupos denominados yama e niyama. A evolução é um longo caminho a ser seguido, por isso que as bases morais de cada Ser devem ser refinadas através de yama e niyama para auxiliarem no avanço dos sādhanas (práticas).

 Yama são proscrições ou normas éticas do ser humano para aprimoramento e controle de si, que visam melhorar as suas relações com os outros seres. Com este aprimoramento do Eu, busca-se harmonizar as relações pessoais e principalmente, o convívio em sociedade. De uma certa maneira, podemos dizer que yama são condutas mais externas, pois trata da relação do seu Ser com os seu semelhantes. Aplique intensamente cada yama consigo mesmo e presencie a importância de suas aplicações diárias.

 Niyamas são prescrições ou normas éticas do ser humano para consigo mesmo. São condutas mais internas. É uma relação de encontro com a sua essência. Da mesma maneira aplique fervorosamente cada niyama consigo mesmo. Os dois primeiros estágios do Rāja Yoga são:

Yama:

Ahimsā satyā asteya brahmācarya aparigrahā yamāh

Yama é não agredir, veracidade, não roubar, controle sobre a sexualidade e não possessividade.

(Yoga-Sūtra II:30)

Niyama:

Sauca santosha tapah svādhyāya īshvara pranidhānāni yamāh

Pureza, contentamento, auto-superação, estudo sobre si próprio e entrega ao Senhor.

(Yoga-Sūtra II:32)

 Na seqüência dos passos do Rāja Yoga encontramos āsana (posições corporais), prānāyāma (técnicas respiratórias e de controle do prāna, bio energia cósmica do universo), pratyāhāra (abstração sensorial), dhāranā (concentração), dhyāna (meditação) e samādhi (hiperconsciência). Neste artigo ficaremos centrados entre o sexto e sétimo passos, entre o ato de concentrar e meditar.

 O último passo do Rāja Yoga, samādhi, é descrito como o estágio de iluminação, estado este que promove a libertação dos condicionamentos (moka). Moka ocorre quando o homem se livra dos seus condicionamentos (mundanos, mentais, emocionais, kármicos e ciclo de reencarnações), vai além do estado de meditação e nem mesmo se identificando com o próprio ato de meditar. Transcendendo assim até mesmo seu próprio ego, ahamkāra.

 Libertando-se dos próprios pensamentos obtém-se a meditação, um estado mais refinado de consciência sobre si e sobre a realidade. Esse é o nosso foco, vencer as dificuldades da meditação. Esse ato de meditar, esvaziar a mente e deixá-la livre de vrttis acontece quando reservamos um tempo para isso e canalizamos todas as energias para tal objetivo. Este momento de introspecção Patañjali denominou de samyama. Samyama significa literalmente “ir junto” e é um processo triplo que consiste em concentração, meditação e hiperconsciência (dhāranā, dhyāna e samādhi). São os três últimos passos do sistema óctuplo que fazem parte de um mesmo processo, onde através do aprimoramento dos seus sādhanas você avança até onde conseguir. Quando você se sentar para praticar um samyama e a mente não permitir, observe o que está acontecendo com a mente, que tipo de agitação está presente no plano mental. Faça uma auto-crítica e auto-análise para poder conseguir diminuir as flutuações da mente e deixar a mente fluir nos estágios do samyama.

 Normalmente não percebemos o quanto à nossa mente é turbulenta e barulhenta. Somente quando buscamos aquietar a mente é que conseguimos perceber toda a sua agitação. Quando se busca silenciar a mente através da meditação, a mente não treinada não consegue manter o seu foco de maneira firme e contínua e se distrai com facilidade, isso gera ansiedade e um certo grau de aborrecimento pelo fato do praticante não conseguir manter-se concentrado por muito tempo. Por este motivo que a meditação deve ser uma prática diária, algo que é deve conquistado dia após dia com muita disciplina e paciência. Busque manter uma rotina diária de prática de meditação, esforce-se ao máximo para não negligenciar nenhum dia e de preferência, busque fazer a prática de meditação nos mesmos horários. A prática da meditação é favorecida se for feita pela manhã, período que a atmosfera se encontra mais sāttvica, período também onde mente e consciência ainda não estão preenchidos com as preocupações do dia a dia. O melhor horário, segundo os śāstras (escrituras), é entre às 4 e 6 da manhã, período denominado de Brahmāmuhurta. Assim como você costuma ter um horário fixo para acordar, almoçar, para ir para o trabalho, jantar e dormir, tenha também um horário fixo para a prática da meditação, transforme-a em um hábito. Sua mente se acostumará com a disciplina do horário. Busque sempre uma posição que seja firme e confortável e nunca sentado na cama.

 Além da disciplina com horário, é importante construir uma atmosfera que seja propícia para a meditação: acenda incensos e jyoti,  faça pūjās, coloque imagens de deidades para reforçar as vibrações para a meditação, imagem de seu Guru, de sua Ishta Devatā, se você possui um mantra de iniciação use sempre o mesmo mantra para a prática de meditação. Caso não tenha nenhum mantra de iniciação, você pode meditar no pranāva mantra Om, coordenando a respiração com a mentalização do mantra: inspire mentalizando o pranāva mantra Om e exale mentalizando o pranāva mantra Om. De preferência utilize sempre a mesma técnica de concentração, pois se você a cada dia utiliza algo diferente, isso retardará o processo de meditação. Você pode utilizar um mantra (som) ou um yantra (imagem) para obter êxito na meditação. A mente precisa ser treinada, por isso da importância de treiná-la com uma mesma técnica até que ela atinja o máximo da perfeição, que no nosso caso perfeição significa meditação. É como um músico que precisa executar uma peça musical com o máximo de perfeição. Para o músico obter a maestria naquela peça, ele passará muitas horas e até anos executando a mesma peça ou mesmo um pequeno trecho de uma obra até que fique perfeita, com a meditação acontece exatamente a mesma situação. Se você não mantiver o foco não obterá êxito. Se você não praticar meditação por uma semana terá a impressão que você já não pratica a mais de um mês, mas se você não deixa de praticar nenhum dia isso não acontece.

 Você também pode fazer alguns ciclos de sūrya-namaskara (saudação ao sol) que auxiliará na estabilidade do āsana antes de começar a prática de meditação matinal. Bhastrikā, kapālabhāti e nādī shodhana prānāyāma limpam o corpo, promovem a purificação das nādīs, equilibram as correntes prânicas do prāna māyā kośa e estabilizam corpo e mente para meditação.

 Os processos mentais ou instrumentos internos são denominados de antahkarana pelo Vedānta. Antahkarana é o que podemos chamar de um substrato mental. Substrato este que é compreendido por manas, buddhi, ahamkāra e citta.

 ‘Manas significa “mente”. É em manas que ocorrem os processos de pensar, desejar, duvidar, perceber e receber as informações que vêm dos órgãos sensoriais (indriya). Buddhi é o intelecto, nele que tomamos decisões mais sérias, que intelectualiza os processos de manas e que discrimina o que nos cerca. Ahamkāra é o ego, a noção de eu, é o “eu” que deseja as coisas para si, quando este ahamkāra se encontra em desarmonia pode gerar estados de possessividade ou perda de auto-estima. Citta é a mente subconsciente que armazena as informações e reconhece as experiências. Citta está sempre interagindo com manas, buddhi e ahamkāra para armazenar as suas experiências, por isso que é o próprio substrato da mente. Através dela que o homem materializa o seu mundo individual e transforma o seu universo não manifestado em mundo real ou armazena o universo manifestado em seu mundo individual. Transforma pensamentos em ações a armazenas fatos em forma de memória.

 Neste completo mental denominado de antahkarana é onde acontecem todos os processos mentais. Compreendendo bem a estrutura de antahkarana podemos avançar para a compreensão de como surgem às dificuldades para a meditação.

 Toda a flutuação da mente (citta vrtti) deixa a própria mente em diferentes estados que facilmente conseguimos perceber. Mente mais agitada significa uma mente menos concentrada, mente harmonizada e equilibrada significa ter uma mente muito mais concentrada. Há dias em que a meditação parece fluir com muita facilidade, em compensação há dias que mente parece não querer desligar, em outros dias está mais sonolenta etc. Estas etapas da mente ou Yoga bhumikas são divididas em cinco: kshipta, mudha, vikshipta, ekāgra e niruddha.

 

 Kshipta é a mente distraída, muito dispersiva, mente que divaga com facilidade, busca conforto e satisfação em prazeres tornando-se assim escrava dos seus próprios desejos. Mudha é mente em um estado obtuso, esquecida e obscura, a mente neste estado pode ter dificuldade em aceitar a própria felicidade, o que pode gerar sofrimento em vários aspectos mentais e emocionais. Vikshipta é um estado que deixa a mente vagamente inquieta, mente dispersiva, busca a concentração mas se desvia com facilidade do foco. Os raios mentais neste estado de vikshipta são dispersos, não há foco preciso. Ekāgra é uma mente concentrada, é a mente que conseguiu reunir os raios mentais em uma só direção e manter o foco por um determinado tempo. A mente no estado ekāgra consegue efetivamente atingir ekāgratā, que é manter a mente fixa num determinado ponto de concentração, fazendo-a fluir de uma forte concentração para um estado efetivo de meditação. Niruddha é a mente efetivamente controlada, não somente pelo fato de conseguir manter-se focada, mas também por vivenciar a suspensão absoluta de todos os processos mentais, vivenciando assim um estado de meditação profunda.

 A meditação é uma prática que deve ser mantida com regularidade. É esta prática que lhe dará forças para tirar a mente de um estado kshipta e transportá-la para um estado de niruddha. Isso não é fácil e requer disciplina. O que deixará a mente mais estável ou menos estável são os vrttis presentes em citta. Por isso que buscamos suspender as flutuações mentais (citta vrtti nirodhah) através da meditação, buscar o autoconhecimento e a essência do seu Ser (jivātman).

 Patañjali Māhārshi em seus Sūtras definiu cinco categorias de flutuações mentais (citta vrtti) que nos auxiliarão na compreensão dessas etapas da mente (Yoga bhumikas). A mente estará em um determinado estado de acordo com o tipo de vrtti predominante. Tudo que está na nossa mente é o resultado do acúmulo de experiências vividas e são exatamente essas experiências que determinarão os nossos estados mentais e emocionais.

 

 Vrttayah pañcatayyah klishtāklishāh


As flutuações da mente são de cinco tipos e são dolorosas e não dolorosas.

(Yoga-Sūtra I:5)

 Experiências dolorosas e não-dolorosas não significam experiências que foram causadas ou não por dores físicas. Klishta significa “estar aflito”, “atormentado”, “molestado”, “que está conectado a dor e sofrimento” etc. Experiências dolorosas (klishta) são aquelas que atuam sobre a área emocional e que têm origem nas relações de pares opostos, tais como a relação de prazer e dor, amor e ódio, do desejo e aversão etc. Enquanto as experiências não-dolorosas (aklishta) são aquelas que não estão sujeitas a esta relação de pares de opostos, podemos dizer que são experiências neutras. Uma experiência não-dolorosa é uma experiência que foi captada pela percepção dos órgãos sensoriais (indriya) e que está livre dessa relação de opostos. O simples fato de estar caminhando da beira da praia e perceber o vôo de um pássaro foi uma percepção, uma experiência que não gerou nem prazer e nem sofrimento, é uma experiência livre da balança de rāga e dvesha (desejo e aversão) por isso é uma descrita como aklishta. A mente percebeu o estímulo externo mas não se manifestou emocionalmente sobre a experiência, simplesmente armazenou a informação.

 

Com isso definido, Patañjali nos apresenta que essas experiências dolorosas e não-dolorosas

(klishtāklishāh) dividem as flutuações da mente (vrttis) em cinco tipos:

 

 

Pramāna viparyaya vikalpa nidrā smrtayah

Conhecimento correto, conhecimento errôneo, imaginação, sono e memória.

(Yoga-Sūtra I:6)

 Pramāna é o conhecimento correto sobre a realidade, um conhecimento que vem do ato de racionalizar, da inferência, do testemunho e das experiências diretas. É baseado em fatos e palavras que não destituem a realidade em si, são experiências que são percebidas e captadas através dos órgãos sensoriais. É um tipo conhecimento que codifica a realidade em forma de pensamentos e sentimentos.

 Viparyaya significa literalmente reverso, contrário e oposto. Mas analisando o contexto que o termo está exposto neste Sūtra, viparyaya significa o conhecimento não-correto ou conhecimento errôneo, sendo assim exatamente o oposto de pramāna (conhecimento correto). É uma forma de conhecimento que gera uma falsa concepção da natureza dos objetos, as imagens mentais formadas por viparyaya não representam à realidade em si, mas uma distorção da realidade e destitui a real natureza dos objetos ou fatos. É gerado por uma interpretação ou um falso julgamento que, na maioria dos casos, é fruto do ego. As pessoas julgam de acordo com os seus interesses, nem que isso signifique distorcer a realidade. É muito comum as pessoas distorcerem a realidade em benefício de si própria. Para satisfazerem os seus egos criam situações mentirosas e são obrigadas a acreditarem nas próprias mentiras para tirar proveito e obterem benefícios próprios. Tanto o conhecimento correto quanto o errôneo (pramāna e viparyaya) são armazenados na mente através da interação do mundo externo com o seu mundo interno e a porta de entrada dessas informações do mundo externo para o seu mundo interno são os cinco órgãos dos sentidos. Tudo que passa pelos órgãos dos sentidos recebem uma filtragem mental de antahkarana e assim são criados os mais diversos tipo de pensamentos no plano mental. Pramāna e viparyaya são dois tipos de conhecimento que necessitam da interação com o mundo concreto para produzirem os seus vrttis.

 Vikalpa significa “fantasia”, “imaginação” e “falsa noção”. Vikalpa acontece quando ocorre uma identificação com algo de natureza não-real, a mente transforma o não-real em real para si. Vikalpa pode ser compreendido como uma ilusão verbal. As informações iniciais tiveram o mundo externo como as primeiras formas de contato, mas este tipo de conhecimento fantasioso, ou simplesmente vikalpa, acontece no interior da própria mente. O simples fato de alguém falar uma palavra que provoque reações emocionais dentro de você pode ser considerado um vrtti fantasioso. Se alguém lhe xingar, automaticamente você começa a tecer uma malha de pensamentos fantasiosos dentro da sua mente e rapidamente começa a se envenenar de tantos pensamentos fantasiosos que acabou de criar, você acaba de criar a sua fantasia, a sua própria ilusão verbal. Uma palavra da qual você não compreende a real natureza gera uma ilusão verbal dentro da sua mente.

 Nidrā significa “sono”. São flutuações mentais que vêm do estado de sono profundo, onde a mente está livre dos julgamentos, desejos e ações do ego. As experiências são baseadas na concepção da ausência. É o resultado de uma atividade interna profunda e sutil da mente, uma experiência que está armazenada no inconsciente e que não está travando contato com o mundo exterior. Funções cognitivas e órgãos sensoriais não são as fontes de conhecimento presentes em estado de nidrā. Os vrttis são manifestações de registros mentais que têm origem do plano inconsciente que foram armazenadas através do acúmulo de experiências vividas. A mente atua em um nível intuitivo, livre de razão, um exemplo para compreendermos este estado mental são os sonhos premonitivos. Em nidrā não há pratyaya, os conteúdos residuais de consciência, o Ser durante o estado de sono profundo acumula experiência em planos mais sutis.

 Smrti significa “memória”. São fortes flutuações mentais que não desaparecem com facilidade devido às experiências registradas nas formas de memória e lembrança. A memória nos traz lembranças de situações passadas que foram geradas por experiências dolorosas e não-dolorosas (klishtāklishāh). Memória de longo, médio, curto ou muito curto prazo de tempo fazem parte deste tipo de vrtti que o sábio Patañjali denominou de smrti. Memórias e lembranças de situações mal resolvidas ou traumáticas são as maiores fontes de dificuldades para a meditação, isso torna a mente realmente instável. Assim como em vikalpa, as experiências acontecem no mundo interno da própria mente e não necessariamente precisem do contato com o mundo externo, embora um estímulo real possa desencadear toda uma rede de ligações de pensamentos, gerando novos vrttis.

 Esses cinco tipos de flutuações da mente (citta vrtti) estão associados a outros grandes obstáculos presentes no caminho evolutivo. Esses obstáculos foram denominados de kleśa, que significa aflição. Esses obstáculos, de uma certa maneira, reforçam os vrttis na mente, assim o número de vrtti tendem a tornar os mesmo kleśa mais intransponíveis. É uma relação direta entre kleśa e vrttis, onde um reforça o outro. Segundo Patañjali:

 

 

 

Avidyāsmitā rāga dvesābhiniveśāh kleśah

As aflições são: a ignorância, o egoísmo, o desejo, a aversão e o apego à vida.

(Yoga-Sūtra II-3)

 Esses kleśās geram total instabilidade não somente para meditação, dificultam também qualquer tipo de sādhana assim como as próprias atividades do dia-a-dia. Ignorância, no sentido da filosofia yogue, é não conhecer a sua própria essência e a realidade, é estar cada vez mais distante do seu Eu interior, isso é viver em um estado de avidyā. É não permitir conhecer-se e ao mesmo tempo negar todo um potencial latente de evolução presente no interior de cada Ser. A ignorância é o que mais reforça os outros kleśas. Egoísmo é pensar que todo o mundo gira em torno de você. A mente egoísta deseja e quer tudo para si sem se importar com a felicidade alheia. Com a hipertrofia do ego, a relação de desejo e aversão surge como uma conseqüência natural. Quem é egoísta deseja as coisas para satisfazer o seu próprio ego e com a não realização do desejo vem à frustração, a aversão, a raiva e a cólera. O apego é outro kleśa que gera muitos vrttis. Desapegar-se de bens materiais é algo bem difícil para nós ocidentais consumistas. Desapego no nosso caso não significa abandonar tudo que é bem material e levar uma vida de mendicância, devemos pensar no desapego como a não-escravidão da mente aos seus desejos. A mente não deve dar suma importância aos bens materiais, um bem material é simplesmente matéria. Você deve se desapegar também do próprio desejo do desapego. Você pode cair numa grande armadilha da mente se não estiver atento a isso. Desapego e meditação serão conseqüências naturais de um sādhana mantido com disciplina e regularidade. O desapego é uma prática de grande dificuldade para todos, inclusive até os homens sábios podem sofrer do apego à própria vida.

 Todos esses desejos e apegos geram vícios na mente. A mente deseja algo e faz de tudo para que você realize o desejo da mente. Você ao longo da vida vai adquirindo vícios que são na verdade frutos de todo um ambiente que rodeia a sua existência. Isso é vāsanā. Essas vāsanās moldam e condicionam a sua personalidade. Esses desejos criam fortes impressões no plano subconsciente e chegam até você como uma forma de herança cultural e social, na qual você se apega a uma determinada vāsanā como se fosse algo criado por você. Com uma vāsanā enraizada, você se torna escravo e não consegue se desapegar. Isso faz parte da malha de pensamentos que transitam em nossa mente diariamente. Isso explica, por exemplo, a dificuldade de muitas pessoas em se tornarem vegetarianas, na verdade não tentam ou têm medo de tentar, preferem se alimentar de animais mortos, mesmo sabendo de toda a crueldade que as “industrias assassinas” impõem aos animais. Aqueles que possuem uma mente forte como fruto da meditação diária não se tornam escravos das próprias vāsanās.

 A dispersão da mente é progressivamente eliminada através de vairagya (desapego, desinteresse), pratyāhāra (abstração sensorial), dhāranā (concentração) e japa (repetição de mantra). Você pode sub-julgar os seus rāgas, vrttis, kleśa e indriyas através do pratyāhāra e dhāranā .Com dhyāna você efetivamente elimina determinados rāgas, vrttis, kleśa e vāsanās.

 Patañjali adverte da importância da prática de vairagya para a evolução na meditação e

para a purificação dos pensamentos e emoções.

 

 

Abhyāsa vairāgyābhyām tan nirodha

O controle dos vrttis se obtém pela prática e pelo desapego.

(Yoga Sūtra I:12)

 Portanto, busque se esforçar e manter uma regularidade em sādhanas, meditações e satsangas.

Antes das suas próximas práticas de concentração e meditação faça uma boa observação de alguns destes itens expostos até agora. Sente, feche os olhos e observe o que está presente em sua mente. Faça uma verdadeira auto-análise. Observe se a mente está estável ou agitada, quais kleśas estão mais latentes, quais são os tipos de vrttis presentes na mente etc. Faça isso apenas observando a mente, observe sem se apegar a nenhum tipo de pensamento, simplesmente observe como se aqueles pensamentos nem fossem seus. Dê o comando para a sua mente de eliminar os vrttis. Seja mais forte do que qualquer rāgas, vrttis, kleśa e vāsanās e busque a força na meditação. Não alimente vrttis. Não coopere com vrttis. Deixe-os morrer por inanição.

 Esteja sempre muito atento, prestando realmente muita atenção (avadhana) no foco de concentração, mantenha a mente vigilante e em estado de completa atenção em relação ao seu foco. Se o foco de sua concentração for uma prática de japa por vinte minutos, mantenha a mente em máximo estado de avadhana para que não haja dispersão durante toda prática. Perceba cada japa mentalizado ou verbalizado como se fosse único, perceba o poder do som e a paz do silêncio, perceba tudo com muita atenção, cada som e cada silêncio entre os sons. Desperte sakśi-bhāva e seja a testemunha consciente de todos os seus atos e pensamentos, seja ao mesmo tempo sujeito e objeto da mesma ação. Avadhana e japa fortalecem muito a mente das pessoas. Com uma mente treinada é possível avançar o tempo da concentração e deixar que a mente flua em um verdadeiro estado meditativo. Meditar é vivenciar um estado de autoconhecimento pleno, onde você realmente conhece a essência do seu Ser, uma essência livre de razão e julgamentos. Meditar é possível sim, basta apenas disciplina, regularidade e coragem para vencer o maior de todos os obstáculos, você mesmo.

      

 Sempre agradeço aos ensinamentos que venho recebendo do legado deixado pelos Mestres Sri Svami Śivananda e Svami Vishudevananda.

 

Om Bolo Sat Guru Sivananda Maharaj ki! Jai!

Om Bolo Sri Vishnu Devananda Maharaj ki! Jai!

ॐ ॐ

Om Namah Śivaya

 

Daniel Nodari (Mahādeva) é professor de Yoga e músico em Porto Alegre (RS).         

danielyoga@gmail.com

 Texto publicado originalmente no Cadernos de Yoga nº 18, Ed. de outono, pp. 31-45. Florianópolis: Comunidade do Saber, 2008.

               ॐ

BIBLIOGRAFIA:

KUPFER, Pedro. Dicionário de Yoga. 3ª ed.
Florianópolis: Dharma, 2001.

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NODARI, Daniel. Como surgem as instabilidades na consciência? In Cadernos de Yoga, nº 12, ed. de primavera, pp. 38-45. Florianópolis: Comunidade do Saber, 2006.

NODARI, Daniel. Por que é tão difícil meditar? respostas nos Sūtras de Patañjali. In Cadernos de Yoga, nº 18, ed. de outono, pp. 31-45. Florianópolis: Comunidade do Saber, 2008.

SIVANANDA, Swami. Concentração e meditação. São Paulo: Pensamento, 1993.

SIVANANDA, Swami. O poder do pensamento pela ioga. São Paulo: Pensamento, 2004.

TAIMNI. I. K. A ciência da ioga. Rio de Janeiro: Grupo Annie Besant, 1989.

VISHNUDEVANANDA, Swami. Meditación y mantra. Madri: Alianza editorial S.A.,

2001.





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