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Brahmacharya: A moderação

BRAHMACHARYA: A Moderação

Maria Giovana Pegorer

Introdução

A pesquisa desenvolvida a seguir tem como escopo um melhor entendimento do quarto yama de Pátañjali: brahmacharya.

Serão abordados aspectos referentes à conceituação e significado do termo, bem como a importância de sua prática nos dias de hoje, dentro do contexto da filosofia do Yoga.

Ainda nos dias atuais a sexualidade é tabu, tratado pela maior parte dos religiosos como algo abominável e abordado pelos hedonistas sem a seriedade que o assunto merece. Daí a importância de estudarmos o assunto não apegados a preconceitos e com a ponderação que ele merece.

O que é Brahmacharya?

O termo brahmacharya é uma palavra sânscrita e tem como tradução literal “pastar em Brahma” ou ainda: “Brahman é o Mestre ou Senhor”. Refere-se principalmente ao celibato ou abstenção sexual, tanto no sistema de Yoga quanto no Bramanismo em geral, se relacionando também ao levar uma vida pura e isenta de promiscuidades, em desapego à vida material e voltada à prática (ao sádhana).

Temos ainda a definição: Brahma = Deus e chara = se mover. Logo, o termo significa “se mover em direção a Deus ou viver em Deus”.

É uma prática considerada purificadora e espiritualizante e uma forma de compreensão libertadora, que nos libera das muitas formas de manifestação do desejo, sejam eles sexuais ou não. Em outras palavras, trata-se de uma prática que conduz à liberdade, ao Nirvana.

Esse conceito é um dos mais poderosos do mundo yogue, tendo-se em vista a ilusão do prazer sensorial e à força da natureza voltada à perpetuação da espécie que permeia, em maior ou menor grau, todos os seres vivos.

Castidade / Celibato: Algumas Definições

A título de complementação, segundo o dicionário Aurélio, castidade é um termo de origem latina (castitate) e significa a abstinência total dos prazeres sensuais. Já o termo celibato (do latim caelibatu) corresponde ao estado de uma pessoa que se mantém solteira.

A castidade pode ser dividida em duas categorias, a saber: espontânea e forçada.

A castidade espontânea é aquela alcançada por pessoas que dedicam pouco ou nada de sua energia vital para a área da sexualidade, pois já conseguiram superar a necessidade que a maioria ainda experimenta da prática do sexo físico.

Já a castidade forçada é praticada por indivíduos que se obrigam à castidade, pois isto ainda não é natural a eles, por isso mesmo tendo resultados duvidosos, pois a verdadeira sublimação do sexo deve provir de compreensão, e não de repressão.

A energia sexual é uma força incomensurável e não deve ser sublimada abruptamente, como aconselham alguns religiosos radicais, tampouco ser liberada sem controle ou disciplina.

 Indicações do Yoga sobre Sexo

Um dos objetivos do yoga é cultivar a harmonia entre os pensamentos, sentimentos e ações em todos os aspectos da vida – e isso obviamente se estende à sexualidade. Duas palavras resumem bem esse ensinamento: pureza e moderação, que por sua vez implicam, fisiologicamente, em higiene pessoal, o que abrange a higiene dos órgãos sexuais e a preservação de suas funções naturais, proporcionando uma vida saudável e longa.

Cabe salientar que, embora o yoga místico ou teórico proponha a sublimação dos instintos sexuais, o yoga científico não permite que haja negligência na higiene e cuidado dos órgãos genitais.

A filosofia do yoga nos ensina que, mesmo não tendo atingido o ideal da castidade, “nós mortais” podemos também obter mais energia e vitalidade através da pureza e da moderação sexual.

Yoga e Brahmacharya

O Rája Yoga adota o princípio de que a energia do ser humano é única, ou seja, não existe uma energia para a atividade sexual e outra, separada, para o exercício espiritual.

Mahatma Gandhi quis endossar a teoria clássica do Rája Yoga, segundo o qual o homem dispõe só de uma força (ojas), que pode ser empregada tanto em atividades sexuais (seja em ações ou em pensamentos), como no processo de evolução espiritual. Como a quantidade de forças ou energia do ser humano é limitada, deduz-se que quanto mais essa força for empregada no campo sexual, tanto menos far-se-á no campo espiritual, ou mesmo em outras atividades, como o exercício da afetividade, as atividades intelectuais e os trabalhos físicos.

O próprio Gandhi atingiu o ideal da castidade depois de muitos anos de aperfeiçoamento interior. No entanto, compreendendo que a maioria ainda não tinha condições físicas nem psíquicas para viver essa realidade, ele admitia o exercício da sexualidade apenas com a finalidade reprodutiva. Não aceitava como ética a idéia da procura do prazer sexual. Observa-se que esse parâmetro gandhiano é algo ainda muito acima da média humana de nossa época.

De outra forma, uma canalização adequada dessas energias sexuais resultaria em vitalidade permanente. Nesse contexto, Brahmacharya nos mostra o poder de transmudar a libido em poder espiritual (Ojas Shakti).

Brahmacharya é um das bases para a prática do Yoga, pois se a mente flutua sem controle sobre as relações de apego e aversão, o abismo entre matéria e espiritualidade se torna maior.

Como disse Patáñjali Rishi: “Brahmacharyapratishthayam viryalabhah” ou: “Aquele que observa a continência, se ilumina e conquista vários siddhis (perfeição ou poderes paranormais)”.

Dessa forma, o (a) yogin (i) deve praticar a continência, ou controle dos sentidos, não se deixando dominar por eles. O objetivo maior é a busca da espiritualidade, em todos os momentos da existência, e para que isto seja alcançado, é necessário o domínio dos sentidos.

Muitas vezes o termo brahmacharya é mal interpretado como sendo unicamente relacionado à sexualidade, quando na realidade está relacionado a todas as formas de desejo, os quais norteiam os sentidos. E o termo desejo se refere a todas as formas de desejo – não só a sexual. Ou seja, a prática de brahmacharya está relacionada à moderação ou equilíbrio, tanto no que se refere à esfera sexual, quanto ao que tange ao apetite, ao falar, ao pensar, etc. O praticante/estudioso de yoga deve ser moderado em pensamentos, palavras e ações, de forma que haja comedimento em todos os aspectos de sua vida.

Assim, deve haver no praticante uma busca constante da compreensão dos aspectos emocionais relacionados aos seus atos, e a análise constante para verficar o porquê e em quais situações sente apego, aversão ou neutralidade no seu dia-a-dia. Essa observação continuada resulta num maior autoconhecimento, auto-estudo ou autognose, que por sua vez se trata de um niyama – swadhyaya, o qual será abordado em pesquisa posterior.

A prática constante e disciplinada (abhyasa) de brahmacharya por parte do(a) yogin(i) leva à conquista de dhárana (concentração) e dhyana (meditação).

  E essa prática não se restringe a monges enclausurados em mosteiros, podendo ser observada por pessoas que têm uma vida social, digamos, mais “convencional”, e não significa a total ausência de relações físicas ou da satisfação de outros desejos corporais, mas um disciplinado controle para que não se torne uma obsessão, um vício. Como o objetivo do yoga é justamente controlar os fatores que causam perturbação e instabilidades da mente (chitta vritthis), a prática desse yama só tem a acrescentar no que tange ao desenvolvimento do(a) yogin(i).

Brahmacharya e Tantrismo / Maithuna

O tantrismo representa, por assim dizer, uma forma diferente (e filosófica) de entender a sexualidade – pelo menos para nós, ocidentais.

A palavra tantra vem da raiz verbal sânscrita tantr, que significa "controlar, manter sob disciplina". Yoga deriva da raiz verbal yuj, significando "unir, direcionar, atar", entre outras acepções. Portanto, o Tantra Yoga é um sistema que leva o indivíduo a governar e controlar a si mesmo. Além do Yoga, há outras maneiras de levar o praticante a isso, como por exemplo, estudando o Vedanta.

Por vezes, o assunto tantra é confundido erroneamente com o “Yoga do Sexo”, o que não corresponde à realidade. Nas escrituras tântricas são apresentados muitos rituais, onde há muita beleza e santidade. Por exemplo: o maithuna é a união sexual ritualística de um casal de praticantes (sádhakas), que são aspirantes espirituais.

Durante a referida prática, a união sexual é tratada com pureza e sublimidade, e cada cônjuge se une em castidade no ser do outro, de forma transcendental e genuína, nada tendo de egoísmo e promiscuidade - características comuns de uma sexualidade não saudável e que gera desarmonia. Na preparação para a prática, o casal pratica austera disciplina espiritual e a união carnal não culmina com a ejaculação, quando a energia seminal é canalizada para um nível energético mais sutil. Percebe-se que é um ritual complexo, mostrando elevado autocontrole e pureza espiritual dos praticantes.

 

Brahmacharya na Visão de Sivananda

Para o Mestre Sri Swami Sivananda, esse yama não inclui somente a estrita abstinência do intercurso sexual, mas também de outras manifestações sexuais, como manifestações auto-eróticas, onanismo, relações homosexuais e práticas sexuais perversas. Ou seja, a prática desse yama inclui também a abstenção da imaginação erótica e pensamentos, conversas ou atos voluptuosos. Ou ainda, nas próprias palavras de Sivananda: “Brahmacharya é a liberdade absoluta dos pensamentos e desejos sexuais. É o voto de celibato. É o controle de todos os sentimentos em pensamentos, palavras e ações.”

Ainda nas palavras de Sivananda: “O celibato está para o yogi como a eletricidade está para o fio”. Segundo ele, o verdadeiro progresso espiritual não é possível sem a prática do celibato, sendo a única chave para abrir o canal sushumna (o principal canal astral do corpo humano e que está localizado na espinha dorsal) e despertar a kundaliní (a energia cósmica primordial localizada em cada ser). Através do verdadeiro celibato cultiva-se Bhakti (devoção), a prática do yoga e se adquire o conhecimento (Jñana). Segundo esse sábio, não pode haver saúde e vida espiritual sem o celibato.

A Utilização da Energia Vital

Conta-se que um estudante de Ayurveda (ciência de medicina indiana ancestral) se aproximou de seu professor ao final do curso e lhe perguntou qual era o segredo da saúde, sendo que o Mestre lhe respondeu: “A energia seminal é verdadeiramente a alma (Atman) e o segredo da saúde está na preservação dessa força vital. Quem desperdiça essa preciosa e vital energia não pode ter desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual”.

Assim como este, alguns sábios acreditam que a energia seminal (Veerya) é Deus em movimento, dinâmico; é a força da alma, encerrando a vida, a inteligência e a consciência.

Acreditam ainda que o excitamento sexual causa conseqüências deletérias no organismo, pois quando Veerya é desperdiçado, o Prana (energia vital) se torna instável, o corpo e a mente perdem energia para o estudo e o trabalho, havendo letargia física e mental, o que resulta em fraqueza e exaustão. O desperdício da energia vital representada no sêmen levaria a comprometimento da memória, envelhecimento precoce e vários tipos de enfermidades.

E para as mulheres os efeitos da sexualidade desregrada seriam tão maléficos quanto para os homens, tendo em vista que o seu sistema é mais frágil e delicado, resultando em perda da vitalidade e enfermidades.

Gandhi aconselhava as mulheres a se libertarem do estigma de objeto da concupiscência dos homens – o que, geralmente, está mais nas mãos delas do que nas deles.

Segundo a Dra. indiana Sitadevi Yogendra, em seu livro intitulado “Yoga Simplificada para a Mulher”, atualmente o erotismo é propagado de uma maneira perniciosa à saúde, e as maiores vítimas seriam justamente as mulheres, por apresentarem características peculiares referentes ao seu temperamento diferenciado e às suas complexas responsabilidades fisiológicas, que são negativamente influenciados pelos excessivos estímulos de ordem sexual. A autora ainda relaciona a moderna e deturpada perspectiva sexual à inquietude, doenças emocionais e físicas, depressões e psicoses femininas, muito comuns em nossos dias.

A constante exacerbação e os impulsos sexuais doentios e mal canalizados geralmente produzem congestão dos órgãos sexuais, o que pode resultar em neurastenia (fraqueza) sexual, histeria e irritabilidade mental.

Segundo o Professor Hermógenes, a própria prática bem conduzida do yoga facilita o bom uso da energia sexual ou mesmo a sublimação. Em outras palavras, através do yoga é possível captar e armazenar quantidades maiores de energia prânica ou bioenergia, a qual se expressa como vigor biológico e espiritual ou como potência sexual, o que faculta transmudar a libido em poder espiritual ou ojas shakti.

Nesse contexto e na visão dos sábios, não se deve supervalorizar o sexo físico, que é, em última instância, um instrumento para as tarefas específicas da paternidade ou maternidade.

Brahmacharya e Alimentação

Como já foi dito, Gandhi praticava a castidade e afirmava que a alimentação poderia auxiliar nessa prática, referindo-se à importância e os benefícios do jejum. Ainda dizia ele: “o regime lácteo torna difícil a observância do voto de Brahmacharya. (...) Sabendo, embora, que o leite é em parte um estimulante, eu não aconselharia ninguém, no momento, a abster-se dele.”

Gandhi estudou a influência dos alimentos sobre a sexualidade, mas não encontrou nenhum alimento que, ao mesmo tempo, proporcionasse vitalidade sem estimular concomitantemente a libido.

Em relação à dieta, o sábio Sivananda argumentava que a dieta tem um papel importante para a manutenção do celibato. Ele aconselhava atenção especial ao que era ingerido, alertando que determinados alimentos, como carnes em geral (inclusive a de peixe), ovos, cebola e alho estimulam a sexualidade. Ele aconselhava uma dieta moderada e o consumo de alimentos sattvicos (puros, equilibrados), como leite, frutas e trigo e também a prática ocasional de jejuns, para controlar os sentidos ou faculdades mentais (Indriyas) e auxiliar na prática de celibato.

Considerações Finais

Como vimos até aqui, a nossa energia provém de uma fonte única e pode ser dirigida de forma construtiva ou ser desperdiçada. Assim, é interessante utilizarmos esse potencial energético com sabedoria e discernimento para vivermos felizes e contribuirmos para a felicidade alheia.

Percebe-se que a grande maioria da humanidade ainda não está em condição de viver nem a castidade, nem da prática do sexo somente com finalidade procriativa. Nos dias de hoje, em que por vezes prevalece o individualismo e um egoísta culto ao corpo, a procura pelo prazer ainda pesa muito para a imensa maioria.

Além disso, somos instigados o tempo todo a lembrar da prática do sexo (inclusive para nos compararmos aos outros, – a chamada “performance ideal” - pois até um instinto básico de sobrevivência foi transformado numa forma de competição), seja de forma sutil ou mais grosseira e direta, pois isso agrada de uma forma geral, e resulta em vultosos lucros para a mídia que atende aos anseios de uma sociedade marcada pelo hedonismo. Sexo é um produto vendável e lucrativo, pois hoje há um “culto ao prazer” generalizado. Com algumas exceções, o que a maioria procura hoje em dia é um prazer imediatista e egoísta, permeado em relacionamentos descartáveis, onde há uma inversão de valores: coisas são amadas e idolatradas e pessoas são usadas. E isso com certeza afeta de forma negativa a saúde física, mental e emocional dos indivíduos, pois estamos indo de encontro à nossa verdadeira essência, que é de amor, generosidade e benevolência. Respeito deveria ser a palavra-chave quando o assunto é sexo – respeito ao outro e respeito a si mesmo.

Vivendo uma sexualidade sadia podemos desfrutar de permanente vitalidade. Dessa forma, compensa organizar, em nossa vida, essa distribuição energética com racionalidade e bom senso para termos uma realidade feliz internamente e no contato com os outros.

Daí a importância da sexualidade equilibrada para uma vida saudável. Em caso contrário, causamos danos sérios ao nosso psiquismo e ao nosso organismo, pois já há estudos afirmando que há uma estreita ligação entre desajustes sexuais e doenças mentais.

Acredito que mesmo as pessoas que praticam sexo regularmente podem atingir um nível de, se não castidade, ao menos de maior pureza, desde que ambos os parceiros encontrem-se permeados pelo amor (a si mesmo e ao outro), passando de um ato meramente instintivo para um ato de união espiritual e energética.

Uma boa forma de começar seria valorizarmos os relacionamentos e a nós mesmos, associando o sexo ao amor genuíno e ao sentimento de respeito, engrandecendo o seu sentido de comunhão e união. Talvez esse seja uma das vias para o uso saudável da sexualidade humana, pois como escreveu J. Krishnamurti em seu texto “Sobre o Sexo” um alerta para a necessidade do amor: “(...) é por não existir amor que vocês transformam o sexo em um problema.” Para concluir, transcrevo uma frase da qual gosto muito, que diz: “A sublimação da afetividade se consegue gradativamente, através do cultivo do amor por tudo o que existe”. Não parece tarefa fácil, mas não custa tentar...

 

Namastê.

Maria Giovana Pegorer é estudante do curso de aperfeiçoamento e formação em Yoga do Núcleo de Estudos Yoga Natarája / Casa do Yogin e engenheira civil.

 

Referências Bibliográficas

Andrade Filho, José Hermógenes de. Maithuna: Liturgia Sexual. Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: ago. 2008.

ANDRADE FILHO, José Hermógenes de. Saúde na Terceira Idade – Ser Jovem é uma Questão de Postura. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2004. 12ª edição. 413 p.

DE ROSE, André (Org.). O Livro de Ouro do Yoga. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2007. 400 p.

GANDHI, Mohandas Karamchand. Somos Todos Irmãos - Reflexões Autobiográficas. São Paulo: Editora Paulus, 1998.

HAICH, Elizabeth. Energia Sexual e Yoga-Tantra: A Canalização da Força Criadora Divina.





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